Sem eira nem beira.
Mas experimente observar qualquer dia destes. Você verá que a maioria dos casarões coloniais, como os da foto, tem uma parte do telhado pronunciado para a frente, como os nossos beirais de hoje em dia. No tempo de colônia aquilo se chamava “eira”. Logo abaixo, você perceberá um detalhe decorativo em relevo, como os que se fazem atualmente em gesso. Esse detalhe era a “beira”. Algumas vezes ha detalhes menores ornando a “beira”, chamados então de “entre-beira”. A linha mais alta do telhado, acabada com telhas côncavas, como até hoje se faz, também leva o nome que até hoje se dá: “cumieira”.
Estes detalhes construtivos eram caros, somente endinheirados podiam ostenta-los. Os mais humildes tinham casas com telhado simples, que acabava abruptamente rente à fachada. Ha alguns exemplos ainda em pé em Paranaguá. Ou seja, os pobres moravam em casas sem eira e nem beira. Daí vem o velho chavão popular “sem eira nem beira”.
De onde tirei isso? Nos tempos de faculdade, sempre prestei atenção nas aulas do querido professor José de La Pastina Filho, arquiteto do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e um dos maiores experts em arquitetura colonial no Brasil além de expoente da arquitetura sustentável, tambem chamada de ecológica. Seus projetos utilizam materiais naturais da própria região e a construção é planejada levando em conta a insolação, ventos predominantes e todos os fatores ambientais possíveis para que o conforto dos ocupantes seja garantido sem intervenções tecnológicas ou mecânicas como aquecedores, ventiladores ou ar-condicionado. O cara é fera. Morar numa casa projetada por ele é um previlégio. Mas previlégio caro. Como não vive disso, pode dar-se ao luxo de aplicar sua própria tabela. Nunca menos de 10% do valor integral estimado da obra.
Ainda assim, aqui em Paranaguá, conheço duas residências que levam sua assinatura. Uma com varandas treliçadas em madeira, na Avenida Gabriel de Lara. E não faço idéia de quem foi o morador original que encomendou o projeto. Outra é a residência da família Dantas no Jardim Guaraituba. Já estive lá e posso dizer que é uma verdadeira obra de arte.
Os Dantas, por falar neles, foram excelentes clientes nos tempos em que trabalhei, aproveitando o conhecimento que adquiri como viajante, com turismo. Um dos roteiros que mais curti elaborar foi para eles. Incluia boa parte do velho sul americano, subindo o Mississipi e seguindo até a Georgia. No caminho; New Orleans e seu French Quarter; Baton Rouge e as barcas de pás do Mississipi; a Ilha de Avery, onde é fabricada a pimenta Tabasco original; Nashville, meca da música country; Memphis e Graceland, a “fazenda-santuário” de Elvis Presley; as Smooky Mountains e a destilaria onde se faz o meu bourbon preferido, o Jack Daniel’s (sim, ele não é whisky, mas um bourbon, e dos bons bourbons, sem trocadilho); Chatanooga e o museu ferroviário; e finalmente Atlanta com sua arquitetura moderna e o museu da Coca-Cola, que tem lá seu berço e sua sede.
Meus roteiros de viagem eram especiais, feitos para viajantes especiais. Gente que sabe aproveitar a experiência e transformar uma viagem num patrimônio cultural pessoal para o resto da vida. Ainda hoje, sou chamado as vezes a dar dicas de viagem para meus antigos clientes. Sempre é um prazer.
Infelizmente é um prazer que não me rendeu estabilidade financeira. Por isso ainda ando por aqui, largado, sem eira e nem beira.
E não é que rimou?